quarta-feira, 24 de novembro de 2010

«explosão»



Abro a página da web.
Ainda em miniatura, vejo fichas de uma biblioteca. Ficha de empréstimo. Zoom. E em meio aqueles nomes «explosão» Meu nome. Reconheço minha letra, tão torta, datada há pouco mais de um ano atrás. Manoel Lord... 26/08/09.
Meu deus! Um ano atrás. O que é um ano?
O que passava por minha cabeça enquanto assinava, meu nome, naquela ficha de empréstimo do tal livro?!

«EXPLOSÃO»
Acordar com o sol me fazendo sair da cama, em meio a correria, pegar ônibus lotado.
Seguir em frente, acompanhando a cidade - enquanto ela deixava-me caminhar, ou quando ficava preso junto com ela em grandes congestionamentos à beira mar.
Atravessar a cidade, que para mim era tão grande. Era o mundo. A ladeira, a árvore, reconheço o ponto. parar.
E ali, naquelas ruas, que os homens ainda dividiam com os pombos, e que o sol aos poucos ia atravessando, era do Campo Grande, em direção à uma rua que parecia sem saída - e era -, da viela, que todo dia eu entrava em um casarão antigo, rosa, rosa e tão verde, de verde-grama, e tão dourado, e tão tintas, de cor, de arte, que eu me direcionava todo dia.
Estudar arte, dizia eu. Eu, e os eus, dos eus que quase tão nós, ainda que por vezes se excluindo, dirigiam-se todas as manhãs para a Avenida Araújo Pinho, pro casarão, que na frente tinha a vênus, a vênus de milo, a "tia" do acarajé, os hippies, que sobreviveram ao Wood Stock, e estavam lá, atrás de vender seus trabalhos, e tantos loucos que eram adotados por aquela casa, que outrora já foi hospício...
E ainda no meio daquela massa criativa, ainda ressuscitamos os que nunca morreram, que estão nos livros de história das artes. Estes livros, que ficam lá no fundo do casarão, em um prédio cinza-colorido, cavernas de Lascaux. E eu, encantando tanto pelas palavras e por tantas imagens, seguia o ritual de empréstimos da biblioteca. Título / Autor. Ficha. ficha. Assina aqui, e tem uma semana em tua mão. (Meu deus! Uma semana, o que é uma semana?!)
E foi de lá que eu conheci a Frida, o Egon Schiele, o meu amor, tantos amigos...
Eu, eles, eles e um bando de nós, que em meio ao perigo, resolvemos acreditar nas artes. E a arte sempre foi tão onírica."E as artes nunca deram conforto, nem dinheiro, nem nunca encheram a barriga.” Sim, mas enchiam nossas bocas. E talvez seja esta fome que a arte proporciona, que torna-nos tão fortes e sensíveis, que faz seguir em busca dos alimentos. E, como esfomeados, vamos em busca. Em busca do quê mesmo, meu deus?
E continuávamos. Nossos sonhos. Nossas artes. Nossos projetos. Nossa vida. Em meio aos vinhos, aos devaneios, aos segredos compartilhados em conversas tão artísticas, que por ora tornavam-se telas tão surreais. Era uma religião secreta, sem deuses - ou vários deles, que tinham o dom da criação, do Apocalipse. A prece de infiéis diante do mundo sobrenatural que é a arte. Magia. Era a escola de bruxos. Que iriam morrer em fogueiras. Suicídio coletivo.

Pois. Tantas mudanças, e eu agora continuo do lado de cá, buscando.
E continuamos.
Buscando o quê, meu deus?!




A ficha da biblioteca veio como uma lágrima de saudade, de um tempo tão feliz. Não, um tempo não. Um lugar. Pois ainda é este tempo.