terça-feira, 2 de setembro de 2014

agosto

só mesmo o carvalho em minha cama poderia me contar em voz de segredo revelado o começo do novo ciclo. Estávamos mortos. Sob o lençol florido nossos corpos finalmente encontravam a paz.


dei ao luxo de dormir mais um pouco, depois de acordar, para aproveitar de mim o que é apenas inconsciente. carnavais internos. pouco a pouco, as palavras foram sumindo até concluir-se em desenhos borrados na parede. Repito, em silêncio, um mantra - de batuque, vira samba.

Tenho medo de que me respondam, de que leiam meus pensamentos, de que nosso corpo, um ao outro, decifrem nossas respirações. Deitado. Mantenho os olhos fechados... PAZ.
minha mão é uma ceifeira e teu cabelo um campo de trigos.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

um grito em nossos templos



as rugas tomam nossos jovens olhos com a mesma força que o vento consegue produzir ondas no mar. atotô, obaluaê! temos no rosto todas as manhãs de segunda-feira e o corpo coberto de chagas. Vago no caminho escuro, encontro-te. Esbarramos é o verbo que o tempo utilizará pra contar a nossa história.

Tento manter-te aqui, quieta. Nosso silêncio aniquila o passado. Como se não houvesse mais nada, além do nosso reflexo no espelho do teto, que me revela uma imagem divina e secreta: somos animais.

a cabeça do carneiro em meu colo, me conta histórias de amor, com leve alteração de voz, que me faz estremecer. um grito em nossos templos.

domingo, 20 de julho de 2014

abarco nos olhos a maré que esvazia
desce entre as ondas restos do manguezal
fecho-os
mantenho firme a areia na ampulheta de meus pés

rezo baixinho para brisa:
esquecer, esquecer, esquecer
até os lábios secarem com o sal

terça-feira, 8 de julho de 2014

tratos

o trator passa entre a plantação. No vazio que fica, catamos sementes que ferem nossos olhos. Por isso devemos manter fechados. Com um gesto desconcertado, entendemos que é preciso apagar a luz, esperar a noite, trazer outra cerveja, escrever correspondência, cozinhar. E todos os corpos vão se conhecendo através destes gestos tortos, profundos, úmidos e eretos.

Meio-dia nossas cabeças repousavam já no gramado seco. Alguém disse que parecia um quadro de Van Gogh. Não escondi o riso com a referência. Talvez esta memória seja apenas um livro de trezentos e oitenta e sete páginas, não muito difícil de encontrar em qualquer livraria, mas nunca um best-seller, que para um iniciante, pareça cansativo demais folheia-lo.

poderíamos juntar, tirar umas letras, esticar as palavras e ter um poema. Afinal, nem sempre o campo está para colheita, temos os dias de plantações e irrigação. Se por um lado, é só depois da fruta mordida que a semente cai ao chão... Esperar.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

longe

tenho pensado em abandonar as palavras, na mudez da língua que dobra sem som, para voltar ao meu verdadeiro estado.

terça-feira, 3 de junho de 2014

vendados

lembro-me de descer toda cidade e o encontrar com os olhos cheios d'água na beira do rio.

cortamos na margem. Depois do ritual ela também disse sim e aceitamos o pacto. Enquanto este mundaréu de velhos prédios e igrejas vazias permanecerem de pé-rmaneceremos. As construções e as estruturas entre nosso silêncio e portas, chegariam algum tempo depois, depois dos corredores antigos, no final.

lembro-me de subir toda cidade e a encontrar com os olhos cheios de riso.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

cara de cigano



- Prometa que dessa vez não vai mudar.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

borda

esqueço rapidamente o próximo acorde e a canção para. no céu a nuvem prata ameaça chover.

quando cheguei em amsterdã embaixo de uma chuva incessante, corremos para a primeira porta aberta que encontramos. Negociei com a recepcionista um quarto com janela para rua, ambos com um péssimo francês que resultaria no pequeno quarto com vista para o telhado do prédio ao lado. no dia seguinte as ruas haviam tornado grandes canais por onde passeavam barcos e turistas. o sol já havia feito seu trabalho e permanecia em seu trono azul-incrível.

nesta terra distante, onde me comunico por uma língua que não é minha e nem deles, gosto de aproveitar o ócio. meus pés confirmam; não me cansaria de fotografar esses canais - nem mesmo se eles estivessem vazios.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

danos


1.
agora que tenho as mãos sobre o universo escuro posso observar detalhadamente cada marca, atrás de mim milhares de estrelas.

2.
dividimos naquela noite algo perdido no mundo; depois que alcançarmos o interstício nada mais restará que seja visível. Talvez em alguns anos, milharesdanos, a lua em sangue perca-se mais uma vez sobre a luz da cidade - tudo igual, exceto nós. Tenho passado dias buscando criar fotografias. Não gosto de fotografias, gosto do perdido. Mas cresce em mim uma espécie de homem que quer tudo em caixas de vidro, iguais, talvez seja maldições de meu signo, vejo ao fundo esta constelação.

3.
quando descobri a cor do lençol, já pela manhã, custou acreditar que entregaríamos o ouro de uma só vez. Foi a primeira (única) vez que me disse eu te amo, em linguagem de sinais com as mãos (e era a primeira vez que deitava comigo).

4.
me presenteou com um livro que logo devorei. Parecia água caindo sobre as folhas, água agitada. um encontro.
Sutilmente disse que fotografia não é memória. Tudo assim está perdido, mesmo em caixas.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Para entrar na água, deve olhar a lua entre as estrelas.


Tenho pra mim que se este grande mar segue os princípios da luz do sol sobre a lua, a força que os três exercem em mim, me divide em mil fases. Devo tê-los conhecido em lua nova. Ou ainda era lua cheia? Talvez. O mar tranquilamente violento batia ao canto de nossas camas molhando os seis pés.  Água mole, gente dura, aconteceu. De manhã restou apenas nós dois e ela ainda segurava minha mão. As ondas haviam levado nossas roupas, nossas vergonhas e todos os outros. O mar deixou apenas o seu movimento em nosso corpo. E quem conhece o balanço do mar, a Terra sempre parece parada.

Não adianta muito bem seguir, disse-me. Você parece estar apaixonado. Os ponteiros do relógio seguem aquela direção, mas nunca foram setas pra se orientar. E foi assim que mais uma noite veio e continuávamos dormindo.

Não poderia deixar de notar que a terra jogava sua sombra sobre a lua aquela noite. Eram trezentos e sessenta e cinco dias seu ciclo ao redor do sol. E em cada ciclo, em cada manhã, quando o sol mais uma vez nascesse, não saberíamos qual lado do sol enxergávamos. Nem há diferença – qualquer lado é uma bola imensa de luz, que ilumina, mas também cega. Então, pra onde olhar?

Disse ao marinheiro: Para entrar na água, deve olhar a lua entre as estrelas.



sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

aos animais noturnos

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aos animais noturnos, que pelo som se comunicam no escuro,
deixo minha mensagem - de gemidos - em código morse.

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