quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

choro noturno.

pelo tanto de filme que já haviam assistido, por todos os livros lidos, deveriam entender as convenções dos sentimentos, poderiam pelo menos deduzir o final.
Faltou delicadeza? Não. Faltou agilidade.



Cinco anjos depois, ele se lembrou exatamente da frase que ouviu enquanto mergulhavam: Jamais vou esquecer este dia.
De modo, a água entrou em seus ouvidos que foi ele quem jamais esqueceu esta frase - do dia não se lembra muito. Se a tristeza ainda lhe apertava de noite, não era por solidão. Só quem sentiu dor de ouvido sabe o que é carregar o oceano em sua cabeça. Por isso escorria.


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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Interstício 7

Não que minha memória seja o pequeno percurso de luz que neste instante invade um lado do quarto, mas é que nele me apego antes de sair. Fecham-se as janelas, já não mais os vejo. Antes havia aqui um reservatório de água, o pé de abacate que alguém cortou enquanto eu viajava, os latidos de um cachorro. Quando fecham a janela, para onde vai esta luz?
Se é a janela a saída para quem foge, ou a entrada de quem busca refúgio, porque a luz não fica aqui, junto comigo, quando fecham a janela?
Não que minha memória seja tão curta, um breve espaço, mas já não sei se lá fora o sol ainda continua a fazer desenhos na calçada. Pode ser noite. Sempre em frente, dois degraus à direita, é o paraíso. Assim um dos anjos me avisa o caminho para morte. Fecham-se as janelas, já não mais o vejo. Se sobrar coisas de mim, além destas palavras, dos rabiscos, essas ocuparão o breve tempo do percurso que a luz abandona o quarto para secar as roupas no varal.

sábado, 12 de novembro de 2011

Teus dedos, como compassos, faziam semicírculos no ar, preenchendo o grande vazio do céu sem estrelas com uma dança estranha das mãos.

Sem música, o único som que seguia a louca coreografia era teu riso. Aos poucos, o meu.
Depois aquele silêncio necessário.

Eu queria, ao menos, escrever um poema por dia.
Mesmo poemas escritos no ar –  como fazem os teus dedos.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

tato

às vezes eu coloco minha mão sobre o papel, e com o lápis tento delinear a sua forma.
Depois retiro. Mas não fica lá a minha mão.
Só uma impressão - nunca exata.

Qual será a impressão de minha mão em teu corpo?




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sábado, 15 de outubro de 2011

Cosmos. Os corpos tentavam se encontrar na sombra que a multidão de pessoas faziam, sem que um dos lados percebesse – se é que isto seja possível, tentaram. Até o começo de um outro dia, talvez na agitada folhas das árvores, um tocasse a mão do outro, sem que um dos lados percebesse – e isto não é mesmo possível. Tentaram.

Se perguntassem sobre um primeiro beijo, diriam que veio dela, até porque nisto ele é tímido. Em iniciativas? Não. Então no amor? Não sei... Até porque se perguntassem sobre a iniciativa diriam que veio dele, pois ele quem escrevia o primeiro parágrafo até desenvolver essas histórias loucas.


Talvez, enquanto todos dançavam na rota terrestre, tenha sido ele mesmo que com muito cuidado tenha aproximado sua mão de uma outra no escuro, esperando silenciosamente que fosse a dela. E foi? Não sei. Primeiro só se houve o contato, sem carícias. Mas se alguém conseguisse enxergar no escuro diriam que uma das mãos havia depositado amor na outra. Mesmo que depois do primeiro parágrafo não houvesse mais histórias, uma mão havia escrito o significado do ato. Do dicionário, s. m. 1. Sentimento que induz a aproximar, a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente afeição ou atracão.


sexta-feira, 30 de setembro de 2011

desproporção

se as coisas acontecem comigo  do jeito que eu quero, essas só vêm um tanto tarde, então fico sobreposto.

Ontem tive muita dor, então fui ao médico e descobri que tenho o estômago maior que o intestino - caso não doesse tanto seria cômico, mas qualquer desproporção é engraçada, posso fazer piadas e rir com os amigos. Em poucas palavras, a receita médica é esta: antes de comer mais, tenho que botar algumas coisas para fora.



eu também tenho o coração maior que o cérebro.




segunda-feira, 26 de setembro de 2011

primeiro.

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Outro dia eu copiei um poema, desses que tenho guardado na cabeça, para que se tornasse meu. Desses que às vezes esquecemos o autor e só existem as palavras - palavra, diferente dos sentimentos, não tem dono. É de domínio público - é de quem tem boca, de quem tem boca ou escreve.

Outra noite, quando liam um poema sob um céu desconhecido, em alguma parte, lugar, olhei só para as palavras dos que têm bocas, para que também tornassem donos. Olhei só para os lábios. Lábios tem dono, coração também. Tempo é domínio público, pertence à ninguém. Nem mesmo aos poetas.                                                           justo.
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tem uma palavra que não quero falar.
(mas sempre tá presente)
Não passado, às vezes futuro.
Sinto-me é um doido. E quero.
Querer pertence ao tempo. Pertence, de sujeito, de predicado.
Pertence à palavra proibida.
Nunca passado.
Quero é futuro num presente - ( ainda sem embrulho). É realidade em sonho - ou o sonho de uma realidade?
Talvez seja lembrança, daí o Querer se faz passado, não pertence mais à regra. Sempre passado. Dessas coisas que já não aconteceram.

domingo, 25 de setembro de 2011

filme

Quando você ver uma foto que tento revelar, lembrará do exato momento em que a tirei. Foi assim: havia a alegria, o riso, e tentei captar. Houve um grande silêncio até que o som da máquina avisou que já não chovia.
Era um dia nublado – desses em que o sol só aparece de vez em quando para dizer que ainda é belo e vivo. Seguíamos em uma velocidade desordenada, às vezes corríamos, e deixávamos o vento brincar com os nossos dedos, às vezes íamos lentos, tentando decifrar o som distante da cidade, às vezes parávamos e tornávamos cúmplices do planeta, às vezes corríamos em busca de belas fotografias… Seguia por entre a natureza, até que houve.
Não sei se é esta a tarefa da fotografia: congelar o momento. Não quero estátuas. Tenho buscado deixar vivo estas memórias.
Geralmente, quando releio o que escrevo, forma-se um riso no meu rosto. Quando revejo as fotografias? Cabe uma lágrima. É saudade.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

diálogo entre vaga-lumes

aqui dentro está cheio. (silêncio) . aqui dentro está - é - frio. lá fora também está. vou ligar o aquecedor. mas a energia pode cair. vai ser pior: escuro e frio. então está é a máquina do tempo? . (risos) . este escuro é da idade média. foda-se. é poético. (silêncio) . à luz de vela. deus é mais! vela me lembra morte. deus é mais. (silêncio) . vela lembra-me - é - aniversário. parabéns. (risos) . a luz voltou. fez o pedido?

tas a abandonar as letras maiúsculas? . é só por uma questão estética. achas bonito? . acho bonitinho, tudo na mesma medida. então utilizas só as maiúsculas, ora. (risos) . mas assim parecem formigas. formigas são pequenas, mas são perigosas. eu já me acostumei. (silêncio) . não acredito que vais escrever deus também com letra minúscula. pensei que fosses ateu. é só por uma questão de estética. (risos) . DEUS.

olha só, agora isto parece uma sigla no meio do texto. pronto, talvez agora tenha sentido. sim, um tanto poético. foram formigas que ganharam asas e uma luz. a luz voltou. fez o pedido?

tem dias que sei que vai chover - ou faltar energia, e como as formigas, eu preparo tudo para o período da chuva.


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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

tu es un garçon fort

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Estava a escrever em uma viagem enquanto uma mulher olhava atentamente à cada movimento da minha mão. Ela não entendia o que eu escrevia (não falávamos a mesma língua - Também se entendesse ficaria encabulada de descobrir que agora falo dela).

Mas ela ME entendia. E éramos cúmplices do mesmo crime. É isto que é escrever. A necessidade de se expressar transcende a própria mensagem. Ela não sabia o que eu escrevia, apenas que eu escrevia. Antes de deixar o trem, ela sorriu para mim como quem diz: Você é um rapaz forte. Fica bem.

Eu retribuí com o mesmo sorriso. E voltei a escrever…

gênesis



Diário das folhas amarelas,

Volto a escrever aqui por tua causa. Não me aconteceu nada de especial que eu possa compartilhar.
Mas é que tuas folhas amarelas lembram-me tanto o meu amor. Sabia que ela quem te fez?
É, como uma deusa, e no sétimo dia você estava pronto.
Cortou folhinha por folhinha com todo carinho.
Por isso só escrevo coisas boas aqui. Só cabe o amor. Nunca exprimi minha raiva nestas páginas. Dói-me. Não posso destruir algo feito com tanto amor.
Sinto tanto a Falta… Mas tanto, que começo a confundir as lembranças com os sonhos. Outro dia lembrei dela em um carro colocando as mãos para fora, enquanto o vento dançava entre seus dedos, e depois ela, timidamente sensual, colocava o corpo, da cintura para cima, para fora do veículo como se quisesse apanhar algo no céu, como alguém que experimenta a liberdade… Como se quisesse apanhar mais estrelas amarelas para fazer folhas onde conto meus sonhos.
Era alto. Mas ela alcançava.
E eu sempre a sigo.
Pois sei que tudo seria diferente sem ela.
Sei que ela me ver como o maior dos seres já criados por ela própria. E isto me faz bem. Pois é só com ela que me torno grande, que alcanço estrelas…
Outro dia, naquele silêncio noturno onde surgem pensamentos sem razão, tentei imaginar o passado, antes de a conhecer… E se fosse tudo diferente?... É doloroso. Não posso imaginar. Houve o big-bang, houveram os deuses, houve o sétimo dia e então aconteceu. Aconteceu. E agradeço. E valorizo. E amo. E escrevo. E existem as folhas amarelas e muitas histórias…

sábado, 25 de junho de 2011

Correspondente

Meu caro desconhecido,

Confesso que encontrar-te as vezes não é um prazer, chega a ser um tanto desconfortável, porque primeiro há o grande bloqueio.
Ainda pensei que indo pra longe jamais te encontraria outra vez, mas parece que é destino. O que tu chamarias de karma.
Sem esperar uma unica palavra tua, venho te questionando de modo que eu mesmo encontre as respostas. Mas do que me adianta encontrar, se ainda não sei como usar?
Tu já conseguistes me ferir diversas vezes. Ma sempre mantive isto em segredo. Ferir é um crime, e tu deves ainda ser livre. Mas desta vez será ao meu modo.
Se não tivesse acostumado comigo mesmo, haveria o exagero. Mas em mim só há espaço para a simplicidade.
E se não for simples, não encaixa.
Já reparastes como sou contraditório em tudo que escrevo para ti?
É que não tenho mais medo do temporário, amigo. Nem utilizo mais os números para somar.
E se eu deixasse tu falar por uma vez? Este é o meu erro.
Mas é que tu não precisas das palavras. Se tem algo que nos diferencia é o teu olhar; ele te entrega. E quem tem olhos não precisa das palavras.
Não foi nosso primeiro encontro depois da última carta. Mas é que das outras vezes aconteceram de forma diferente. Sempre tinha o outro. E o outro disse: olha lá, lá do outro lado, olha o desconhecido...
Na verdade disseram; olha lá... o estranho. Mas é que eles não tinham a sensibilidade de distinguir.
Então não escrevi para ti. Pois não te achei, apenas te vi.
E te achar é meu grande prazer.

Fica Bem,

Juca Lord.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

mãos

Há muito tempo não escrevo (não só aqui, meu querido blog).
Já ouvi que escrever é como andar de bicicleta; basta passar uns dias sem andar nas palavras, e as primeiras letras vão cambaleando pela rua em busca do equilíbrio.
É por isso que começo com essa metáfora pobre e barata, até me acostumar com o ato de escrever.
Nunca evolui de forma linear entre os meus textos (logo ainda desenho - desenho porque as vezes não sei escrever, escrevo porque falo muito baixo e nem todos me ouvem), a evolução que aqui ocorre é menor.
Às vezes eu falo tão baixo, mesmo tão baixo, que só sei que estou falando porque levo minha mão ao peito e o sinto vibrar.
Nem todos tocam meu peito.
Outro dia estava sonolento quando senti ele vibrar; vai ficar bem. Bom, na verdade não foi bem isto, mas foi o que entendi. É que além de perder a voz, estou perdendo o tato.
Será a distância?