sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

vaga onda

Yemanjá, via google imagens. 




















Lembrei-me de jéssica e seus longos olhos – que só mais tarde eu descobri que machado já descrevera, a me fitar pelo longo balé público duma festa popular. Se me pedissem um retrato dela, agora, apenas tocaria uma música espanhola sobre um longo fundo branco que se cria o feito do sem-fim (ou infinito, que é antes mais poético, mas não deixa de ser matemático). A vaga lembrança que tenho de jéssica é deste momento, que carrega outros e outros em seu cabelo de índia que flutuava em uma gravidade diferente de seu corpo. Foi, como lembrei, assim; eu deveria ter doze anos, próximo a formar treze, ela também, em uma férias de verão na ilha. Era uma festa, e no palco tocava uma velha canção de axé quando cheguei ao salão (só me lembrei desta história, ou primeiramente da canção, ou, se possível, tudo em um único momento de descoberta, quando, neste ano, aproximadamente dez anos depois do dia, estava no mesmo local e a mesma canção soava – agora com a pura nostalgia de quem já viveu algum amor). Jéssica estava ali, de blusa branca e a mesma pele negra, um pouco mais a frente. Não foi díficil avista-la no meio das centenas de pessoas que também estavam ali presentes, mesmo sendo crianças, conseguimos identificar a amada em quilômetros – e o amor de olhos vendados. Ela também sentiu. No ritmo da música olhou para trás, e seus longos cabelos, como cortinas de teatro que se abre para o espetáculo e logo se fecha para as palmas, deixou espaço para seus olhos colarem diretos em mim. Fechei os olhos, abri, dez anos depois, jéssica não estava lá. Nem a sua face. Tenho tentado lembrar de jéssica, de seu rosto, mas não lembro; lembro da blusa branca de uma só alça, de sua perna longa e no final um short jeans, de seu corpo na tarde dentro do mar, de sua perna curvando no parque, de sua risada no cais... De seus longos olhos. Mas quando tento lembrar de sua face, me vem a face de géssica roqueira, e as confussões d’Eu menino com tantos nomes iguais, me vem a face da menina nervosa de sardas que me força a lembrar seu nome, me vem o rosto tímido de fernanda, das duas faces das gêmeas, todas em um mesmo rosto - sobrepostas, me vem o rosto da outra géssica e o seu sinal que, em minha memória, toda hora muda de local, com seu sorriso cínico de já-mulher... Por horas tento reconstruir a imagem de jéssica-índia, mas a vejo entrar no mar com sua face coberta por pérolas que refletem no espelho, ela se vira, e de costas, vejo-a deitar sobre o mar entre o reflexo da lua. Jéssica é a minha boa memória de que o mar é feminino, la mer.