sexta-feira, 11 de maio de 2012

Adim e o buraco na calçada.


Aquele coração formado pelas pedras na calçada, hoje era apenas um grande buraco, em que nos dias de chuva ele tentava se desviar.

É engraçado essa mania de dar nome às formas, significado às cores, razões às coisas, amor às pessoas… Quando Adim atravessou a rua, ainda molhada da chuva que ele nem viu cair, percebeu a grande sem-forma que existia onde antes havia o coração. Um morango, talvez, pensou. Mas o buraco era tão assimétrico e descontínuo que nem mesmo forma de buraco tinha, e Adim sentia a inexplicável necessidade de dar um nome aquela forma que hoje tava em seu caminho com a água suja da rua.

Começou por comparar com cabeças de dinossauros, comidas exóticas, bactérias… De tudo… Mas o buraco ali já não havia forma. Era um buraco, sem forma de buraco, que guardava resto de chuva. Se lhe dessem mais coragem em seu nascimento, ele mesmo se ajoelharia na calçada, e com um pouco de delicadeza e violência, começaria por retirar algumas das outras pedras ao lado do buraco, para dar algum sentido ao vazio do passeio.

Os primeiros pedestres olhariam com curiosidade, outros com desdém. O que aquele homem de tão boa aparência fazia ali ajoelhado na calçada molhada? Procurava algo que deixou cair na poça da chuva? Então era isso que Adim fazia? O que ali havia perdido? Um casal usando um guarda-chuva azul, do outro lado da rua, olharia com atenção para aquela cena. O corpo inclinado, agora já ensopado pela água parada que ele mexia, formavam um belo desenho na calçada.

Retiradas umas nove pedrinhas, com muito trabalho, Adim percebeu o fracasso de seu esforço. As pedras da calçada não seguiam uma lógica, e cada pedra retirada deixava ainda mais o buraco sem forma – e cheio d’água. Adim levantou-se, agora havia apenas um obstáculo na calçada. Contornou-o e seguiu.

Naquele dia, Adim se atrasou duas horas pro trabalho.

síndrome de Estocolmo


Ela está apaixonada por seu assassino.
Por debaixo dos pés da mesa, ela o vê; ele tem no corpo uma calça jeans, uma camisa branca e, em uma das mãos, uma pistola. Na outra, folheia um livro de capa amarela.
Sentado em frente ao som da televisão, ele ler distraidamente. Saindo dali, caberá à ele escrever sobre sua morte – assim como o homem do telejornal anuncia agora.
Contudo, ainda restará em seu corpo metade do que foi lido...